Neste artigo o nosso Neuropsicólogo, Prof. Dr. Manuel Domingos, aborda o tema da síndrome de bournot nos seus aspectos sintomáticos, de diagnóstico e tratamento.
"She burn out love. As soon as straw out buneth" The Passionate Pilgrim, William Shakespeare (1599)
A partir do artigo de Freudenberger (1974), intitulado "Staff burnout", a síndrome de burnout começou a ser investigada de forma intensiva com dois objectivos: compreendê-lo melhor, através de meios de diagnóstico, e criar técnicas de intervenção terapêutica. Os trabalhos iniciais decorreram nos EUA, mas rapidamente se disseminaram por todos os países onde casos iguais, ou semelhantes, aos detectados por Freudenberger e seus colaboradores começavam a ser referenciados. Mas punha-se, e põe-se, a pergunta: será que se estava perante algo de novo? Ou apenas seria o burnout uma entidade antiga com nova "roupagem" e nome diferente de outros que já tinham sido aplicados a situações semelhantes (p.ex. "neurastenia", por Beard em 1880)? Bom, esta discussão seria interessante mas não interessará, porventura, ao leitor que aqui procura saber o que é, afinal, esta situação bem incapacitante que, num determinado momento das nossas vidas e sob certas circunstância, nos pode atingir e condicionar o nosso "modus vivendi"de forma bem negativa e em todos os seus aspectos, laborais, sociais, e/ou familiares.
Embora nos centremos no burnout, dito, clássico que decorre após situações laborais traumática e arrastadas no tempo, causando stress crónico potenciado por situações de stress agudo, do tipo distress (correspondente ao "mau stress", já que pode haver um "bom stress" acontece quando esperamos, ansiosamente, uma boa notícia e que se denomina eustress), digo-vos que as situações familiares conflituosas ou o não alcance de um objectivo há muito preparado, são (igualmente) fontes de burnout.
Mas vamos então à teoria geral do burnout (com incidência nas causas laborais). Este termo quer, no fundo, significar e traduzindo-o de acordo com o seu impacto médico-psico-social, "queimar até à exaustão". Queimar no sentido figurado, claro está. Ele indica o colapso que sobrevém após a utilização de toda a energia, bio-psico-social, após exposições prolongadas a situações nocivas para a integridade do "EU". Clarificando e simplificando o conceito, direi que o burnout é uma síndrome, multidimensional, que engloba a exaustão emocional, desumanização, caracterizada por atitudes de afastamento emocional relativamente às pessoas com quem, normalmente, há interacções quotidianas (superiores hierárquicos, colegas, clientes e, inclusive, família nos casos mais graves), produtividade reduzida ou, mesmo, nula, tendência para a conflitualidade e irritabilidade exacerbadas, transtornos do sono, alterações neurovegetativas (dores de estômago, taquicardia, alterações respiratórias, tonturas, sensação de adormecimento das extremidades/membros superiores e inferiores......) e alterações cognitivas (com relevo para a atenção e memória, que se encontram alteradas numa franja apreciável de casos). Em suma, o burnout sobrevém, na maioria dos casos, de um processo de stress ocupacional conducente a uma ruptura psicofisiológica, temporária ou permanente, dos indivíduos.
De um modo geral e como atrás deixei antever, todas as actividades podem ser, potenciais, causadoras de um processo de burnout, no entanto algumas profissões são mais passíveis de o poder desencadear, devido á sua grande exigência física e psicológica. Destacamos, como exemplos, os docentes, os profissionais de saúde (nas áreas da medicina, psicologia e enfermagem), as forças de segurança e os bancários.
Mas como se diagnostica e intervém terapeuticamente no burnout? Embora muitos casos nos passem "ao lado", dado que os pacientes não procuram ajuda pelas mais diversas razões, hoje possuímos uma panóplia de meios que nos permitem diagnosticar este quadro, tão incapacitante. Assim, e assumindo uma dinâmica interdisciplinar, usamos, para além da entrevista clínica cuidada, escalas de detecção e caracterização dos sintomas, técnicas que nos permitem evidenciar os sinais de disfunção, e articulamo-nos (sempre) com o médico de família ou com o clínico geral, para que este proceda a explorações analíticas, electrocardiográficas e/ou imagiológicas, afim de se excluírem outras causas ou concomitâncias de tipo orgânico. Evidentemente que a colaboração com a psiquiatria é indispensável. Estes especialistas saberão como bem medicar os pacientes, reduzindo-lhes as queixas e preparando-os para os processos psicoterapeuticos adaptados a cada caso. Estes, independentemente da orientação seguida pelo psicoterapeuta, deverão (de forma emergente) atacar e eliminar rapidamente o "colorido semiológico" do quadro clínico em presença, a fim de podermos "devolver" o paciente, em condições optimizadas, ao seu nicho bio-psico-social, restaurando-lhe o contexto anterior/pré-burnout ou ajudando-o a desenvolver mecanismos adaptativos, perante situações mais stressantes, permitindo-lhe voltar a ser, de novo, um elemento produtivo e estável.
Manuel C. R. Domingos (Neuropsicólogo e Psicopterapeuta)
Sobre o Autor
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Licenciado em Psicologia Clínica pelo ISPA, é Mestre em Neuropsicologia, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Université Catholique de Louvain (Bélgica), e Doutorando em Psicologia (Neuropsicologia) pela Universidade de Aveiro (desde 2006). É Investigador convidado da Unidade de Investigação da Universidade de Aveiro, Investigador convidado da Unidade de Neuropsicologia Experimental da Universidade de Bordéus, Coordenador da Unidade de Neuropsicologia de Intervenção |
do CHPL, Professor Universitário (Universidade Lusíada de Lisboa) de Neurociências, Neuropsicologia, Psicopatologia e Avaliação Psicológica, Membro dos corpos docentes dos Mestrados em Psicologia Clínica (Universidade Lusíada de Lisboa) e Neuropsicologia (Universidade Católica de Lisboa). É Presidente da Sociedade Portuguesa de Neuropsicologia, Presidente do Instituto da Mente e autor de mais de 120 comunicações e publicações científicas, nas áreas das Neurociências e Psicologia. |
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